sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Sentir o frio

"Era um inverno, tão frio, tão frio, que os pobres sofriam ainda mais do que o habitual.

O rabino escolheu um dos dias mais gélidos para procurar o único judeu rico do povoado, homem famoso pela sua avareza. Bateu à porta, e foi o próprio que veio abrir. Era, seguramente, o único indivíduo da aldeia a não vestir mais do que uma camisa dentro de casa, tal era a qualidade do aquecimento no seu interior.
- Faz favor de entrar, rabi, está quentinho cá dentro.
- Não, não, não vale a pena, não demoro mais do que um minuto.

E o rabino encetou uma longa conversação com o homem, perguntando-lhe novidades de cada membro da família. O homem batia os dentes, porta sempre aberta, insistindo incessantemente com o rabino para que entrasse, mas este recusava sistematicamente.
- E o primo do seu cunhado, que foi para a cidade, como é que ele está? – continuava o rabino…
O homem estava roxo de frio.

- Finalmente, rabi, qual é o motivo da sua visita? – acabou por perguntar.
- Vim com o intuito de lhe pedir dinheiro para comprar carvão para os pobres da aldeia.
- Pois bem, então vamos entrar, falamos melhor sobre isso no quentinho…
- É que se eu entro, sentamo-nos à lareira, ficamos aquecidos, e quando eu lhe explicar que os pobres têm frio, o senhor não irá compreender. Vai-me dar cinco rublos, quando muito dez. Mas, assim, cá fora, sentindo-se um pouquinho de frio, estou certo de que o senhor vai compreender melhor…

O homem ofereceu cem rublos ao rabino, ficando feliz, quanto mais não fosse pelo facto de poder fechar a porta e voltar a sentar-se junto à lareira."
(Marc-Alain Ouaknin e Dory Rotnemer, in A Bíblia do Humor Judaico, I)

Apetece-me apenas comentar, do que este conto me sugere, e também a propósito do dia de hoje - Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza - que:
pode-se relembrar esta problemática num dia por ano especialmente dedicado a isso;
pode-se pensar muito em ajudar os pobres na quadra do Natal, que não tarda aí;
podem-se até fazer muitas campanhas de auxílio à pobreza ao longo do ano…
mas é muito confortável estar no quentinho!

Se não te aproximares, se não sentires o frio na pele, como é que podes compreender a realidade do pobre?

8 Comments:

Cátia said...

Minha querida,

Venho felicitar-te por mais um texto que nos faz pensar. Hoje, dia internacional para a erradicação da pobreza, é mesmo preciso parar e pensar um pouco mais. Tantas vezes falamos e... será que sabemos do que falamos? É do conforto das nossas casas, com comida a toda a hora e roupa de marca que falamos em pobreza? Sem dúvida que nao fazemos sequer uma pequena ideia do que falamos...

Mas sabes bem que a minha opiniao é "pelo menos falo!", quando tantos outros teimam em fechar os olhos. Hoje o tema é a pobreza, mas que não o seja só hoje, que não seja só neste época que se aproxima o Natal. As notícias falam em 18% da população portuguesa a viver abaixo do limiar da pobreza. Como não falar nisso todo o ano? Afinal estas pessoas precisam sobreviver 365 dias e não apenas um...

Obrigada pelo trabalho fantastico que tens feito por aqui.
Beijinhos

ps - desculpa o tanto que escrevi mas é impossivel ficar indiferente.

alf said...

é mesmo assim.

Já reparei que as pessoas que dão esmola no Metro são as mais pobres; até sei adivinhar, qd vejo alguém pedir, quem vai dar e quem não vai.

Em tempo vivi em Odivelas, na altura era um local um pouco menos desenvolvido do que é hoje; mas os niveis de solidariedade eram muito maiores do que em Lisboa. Em determinada altura percebi que num restaurante que existia perto de mim davam discretamente de comer a qq pessoa que lá aparecesse com fome. Como se fosse a coisa mais natural do mundo, sem perguntas nem hesitações, bastava um troca de olhares.

Como dizes, é preciso sentir o «frio na pele»...

Anónimo said...

Uma grande lição de vida... A verdade é que muitas vezes nas nossas vidas andamos de olhos fechados, não por costume, mas porque da jeito. Da jeito não ver a miséria que nos rodeia, da jeito sentirmo-nos quentinhos e confortaveis... Vamos todos ser mais solidários. Abraço

fa_or said...

Cátia,
Alf,
e Rui,
Um Obrigada, bem grande, pelas vossas palavras.

Abraços

fa_or said...

Amigos,

Ontem, Dia Internacional para a erradicação da pobreza, tentei passar a Mensagem, em directo,via telefone, no RCP no programa "Ao Fim do Dia" com Alexandre Honrado e Sofia Frazoa.

Esta participação foi inserida numa rubrica de debate entre bloggers, com a duração de 30 minutos, entre as 23 e as 23:30 h, em que o tema foi a Pobreza, respondendo ao convite que me foi feito.

O natural nervosismo de uma primeira experiência, sempre corta as palavras que deveriam sair...

Considero que me portei aquém do que desejava...
Mas acho que poderia ter sido pior.

Um obrigado sincero aos que me apoiaram, aos que se importaram, aos que de algum modo me fizeram sentir o seu calor humano!

amigona avó e a neta princesa said...

Envolvo-te num abraço de solidariedade1 Obrigada por nos fazeres sentir frio!

Unknown said...

Maf_Ram,
Uma excelente história que não deveria ser lida só por nós, cidadãos simples que vivem o dia-a-dia trabalhando e sempre fazendo contas para que não falte nada aos nossos. E mesmo assim sempre que podemos não hesitamos em ajudar um pobre.
Este texto devia ser lido por aqueles que não fazem nada senão viajar, dormir e comer em hoteis de luxo e tudo à custa de quem? Do Zé-povo, é claro...
Mas mesmo assim talvez não entendessem o texto, acho que precisavam mesmo era de sentir o frio, para que lhe pudessem dar o devido valor.

Beijinhos

Anónimo said...

Os valores comunitários e da solidariedade andam muito arredados das nossas vidas. Infelizmente.

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